segunda-feira, 28 de junho de 2010

Da dor à Vida


Por Joice Giachini

Quem pode curar-me?!
Não sabe ele dizer-me o que desejo
É um saber sem sentido
Um entender não entendido.

Vivo sem viver em mim
Sem saber como perseverar
Vivendo onde já se vive
Deste viver o que será?
Se vivo assim, mais morro.

Por que não toma o roubo que já roubaste?
Redobra-se assim em mim a dor
Neste sítio sombrio vejam-te meus olhos
Porque deles és a luz
Para eles somente os quero ter.

Neste padecer, persiste dentro em mim
A música calada
A solidão sonora
A noite serena
As quais não quero mais que toquem os umbrais.

Não direi o que sinto
Nem lamentarei o que vivo
Este mal é tão inteiro
Solidão de amor ferido.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

A Natureza: Livro escrito por Deus e um bem para o ser humano


Por Izaque Ferreira Real

O respeito e a preservação da natureza revestem-se de grande importância atualmente, designadamente porque a natureza se constitui como um verdadeiro livro escrito por Deus e um bem para o ser humano. Salvaguardá-la torna-se um imperativo para a humanidade.

Com efeito, são inúmeros os descasos e os perigos que ameaçam a vida dos seres vivos. Basta olhar a realidade mundial: aquecimento global, poluição desenfreada, mudanças climáticas assustadoras, escassez de água, desmatamento sem limites, mudanças no regime das chuvas, entre outros fatores.

A crise ecológica é visível. Ela revela o quanto o ser humano está em conflito consigo mesmo, com as demais pessoas e com o mundo que o circunda. A escolha do homem “por privilegiar o racional e o pragmático em detrimento do afetivo gerou um mundo muito desenvolvido do ponto tecnológico, mas doente no aspecto relacional”[1].

Sem dúvida, a relação entre pessoa humana e natureza foi rompida. Em nome do seu egoísmo e da sua ânsia por riqueza, o ser humano se colocou como dominador da natureza, exercendo uma exploração absoluta sobre ela. “Os recursos naturais foram dilapidados para aumentar o lucro de alguns em detrimento da maioria, colocando em risco nossa própria sobrevivência”[2] .

A extração inconsiderada dos bens da natureza põe em perigo não somente o meio ambiente, mas o próprio homem, pois ele também é vítima da degradação provocada ao planeta. Direta ou indiretamente o ser humano sofre com aquilo que se causa a Terra.

A situação ecológica que se encontra a sociedade hoje é reflexo da cosmovisão moderna, onde a concepção de um antropocentrismo apontava para a existência dual de realidade: de um lado, “sujeito”, de outro, “objeto”. Esta divisão, dualidade, na qual o sujeito, enquanto indivíduo, adquiria suma relevância e as demais coisas existentes eram somente objetos que estariam a sua disposição, possibilitou considerar a natureza como elemento sem alma e também os outros homens como meros sujeitos incorpóreos, porque o que ganhava importância era “o eu penso”, fechado em si mesmo. Daí se evidencia que tanto a natureza quanto os próprios seres humanos poderiam ser dominados e explorados.

A cosmovisão moderna fragmentou a concepção de mundo. Por isso, no momento atual é decisão sensata realizar uma revisão profunda e clara no modelo de vida estabelecido e no desenvolvimento político-econômico global, buscando favorecer uma consciência ecológica na geração presente. Trata-se de elaborar uma resposta coletiva que valorize o respeito pela natureza e o desenvolvimento integral do ser humano.

Enfim, necessita-se urgentemente que se pense na reciprocidade entre dignidade humana e dignidade do planeta, pois se se fere a natureza, o ser humano também é ferido. “A natureza, entendida como o conjunto de todas as criaturas, deve ser protegida pelo que ela é e não enquanto eventual potencial à disposição do ser humano. O planeta deve ser, portanto salvaguardado em nome de uma dignidade que, para todos os efeitos, lhe é própria”[3] .

A relação de interdependência e interligação entre todas as coisas do universo é fundamental para a existência do ser humano, enquanto “ser-no-mundo”.


Referências:
[1] SILVA, Isabelle Ludovico da. O papel da mulher na conservação do meio ambiente. In. Revista Ultimato, Ano XLII – N° 318, Maio-Junho 2009. p.58.
[2] Ibidem, p.58.
[3] TAVARES, Sinivaldo Silva. A criação em face do novo paradigma ecológico: dom de Deus e responsabilidade humana. In. Revista Convergência, Ano XLV – N° 430, Abril 2010. p. 278.

O Pipoqueiro Suicida


Por Cláudio Roberto da Silva

Ele a conhecera quando ainda guria, comemorava seus quatro anos, foi encanto a primeira vista, num domingo de inverno do mês de julho, quando as folhas das árvores da Praça de Santo Antônio caíam ao chão ressecadas. Seus olhos azuis pálpebras enrugadas de parecer cansado, brilharam ao ver a menina que vestia um macacãozinho Jeans e nas mãos um pirulito daqueles enormes e um sorriso de estalar vidros. A mãe num primeiro momento achou que o velho a cortejava, pensando ser ela o alvo de seus olhares, ao perceber que era a filha o objeto de sua apreciação se assustou, mas logo se acostumou, pois sabia convencidamente que a filha era mesmo uma criatura encantadora. A menina olhou com seus olhos lindos e arregalados para o pipoqueiro e num grito de menina moleca disse:

- Moço me dá um pacote de pipocas, daqueles bem grandes e coloridos! Ele arriscou uma aproximação e perguntou;

- Qual é o nome da menina linda que me pede pipocas?

Ela respondeu no mesmo grito revelando seu nome. Não direi qual era, para não causar uma comoção ainda maior na estória, mas posso adiantar que era lindo e combinava com flores.

Dois anos se passaram como relâmpagos das tardes de dezembro, a amizade deles crescia e todos os domingos depois da missa das seis, era religiosamente certo o encontro, em que a mãe levava a bela para comer pipocas e prosear com o mais novo amigo.

Naquele domingo da quaresma o pipoqueiro estava misterioso e não conversara com ninguém de sua casa e na praça a todos olhavam com rabo-de-olhos. Algo o incomodava. Suas pipocas pareciam amargas. Quando um casal de jovens pediu-lhe com voz chorosa um saco de pipocas de sal.

- Coitada. Dizia um ao outro.

-Todos os domingos eu a via nessa mesma praça comendo pipocas, foi morta cruelmente, e o carrasco parecia um animal, além de matá-la abusou de sua inocência. O velho pipoqueiro, ao ouvir aquelas palavras que invadiram a alma como um torpedo nas águas de uma praia, assustou e fugiu, entre os becos da Alvino Olegário. Em seu rosto lágrimas incertas e amargas, ao povo que a tudo via se perguntavam; - Que louco! O que deu no velho, e como ficam as pipocas!

Na manhã de segunda o velho fora encontrado suspenso por uma corda que envolvia o pescoço e em uma de suas mãos, uma espécie de carta suicida, que dizia em letras garranchadas.

“Dizem que suicida vai direto para o inferno, sem direito a julgamento. Eu o fiz em forma de protesto, quem sabe em posse do motivo pelo qual me levou a tal ato, reflitam um pouco os de alma carrasca e comportamento animal. Talvez assim me valha o céu. Se não valer mesmo assim ficarei contente, pois saberei que um dia encontrarei por lá o autor da desgraça que não merecia a minha pobre menina e enfim vingarei...”.

Soneto Decassílabo do Amor


Por Roseane de Loudes Miguel


Homem que entraste em minha vida
sonho com seus carinhos amado
cristalino sentimento provado
e contigo me sinto vivida.


Suas palavras encantam o coração
sua boca anjo tem a verdade
em ti encontro a sinceridade
contigo amor não tenho solidão.


Sua beleza é como a flor
minha vida pertence a seus braços
sem ti só me resta algo, a dor.


Teu sorriso é muito sensual
tu tens um olhar que me fortalece
com você quero ir até o final.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

O Homenzarrão


Por Cláudio Roberto da Silva

- Mamãe, o que é um homem zarrão? Perguntou o menino atônito, parecia ter descoberto uma mata virgem e estar aflito por desbravá-la.

- Um homenzarrão é um homem muito grande meu filho. Respondeu a mulher de olhar perdido no horizonte, e meio sorriso em lábios.

- Iguais aqueles das revistas em quadrinhos e os desenhos animados da televisão?

- Sim meu filho, ou até maiores que estes!

O pentelho franziu a testa, como se tentasse buscar na mente informações que lhe atestasse a cerca do que poderia ser tal coisa, ao mesmo tempo em que ajuntava em seu vocabulário, palavras para construir sua próxima pergunta.

- O meu pai é um homem zarrão mamãe?

A palavra pai a fizera se desprender do presente, e mergulhar como que num túnel do tempo em seus pensamentos, em busca das melhores lembranças daquele que seu coração ama. Ela uma bela jovem de seus 30 anos que acabara de completar sem muita festa, sempre tentava responder a todas as perguntas e curiosidades do filho. Mãe igual a essa é difícil até de se imaginar, aos 15 anos se casou com seu primeiro e único homem. Ele, homem do campo, centrado no trabalho e perfeitamente dedicado à família. Sua baixa estatura nunca o incomodou, e jamais o impedira de trabalhar e nem tão pouco se divertir com a família.

Aquele era seu único filho ela o olhava deitado na cama e seu olhar parecia se perder na atmosfera do cronos, pensava no quanto os anos se passaram rápido desde o seu casamento e tentava medir o quanto aquele menino era especial para ela.

- Mãe, você não me respondeu...

A voz fina de menino falante, suave e rasinha como alguém cansado, arrancou-a pelos braços daquela espécie de viagem astral por seus pensamentos, e a fez recobrar a linearidade dos fatos.

-... O papai é um homem zarrão?

- Não filho, um homenzarrão é muito maior que seu pai, agora vá dormir que amanhã bem cedo o médico vai vir para olhar você.

O menino tossiu por quatro vezes e se contorceu na cama, quando a dor aliviou um pouco tentou dormir, em seus últimos pensamentos antes dormir tentava desvendar o enigma: “Quem poderia ser tal figura maior que seus bravos heróis imaginários? E o que poderia ser maior que um pai?” À medida que se tornava mais difícil a resposta, seus olhinhos lentamente se entregavam ao sono que inevitavelmente vinha. A mãe, atenta o olhava com um profundo olhar de perda.

- Mãe, quando a gente sair daqui, você me leva para conhecer um des...? Resmungou o menino, já absorto no sono. Nem escutou a mãe dizer:

- Sim filho, claro que eu levaria...

A noite corria ironicamente calma, apesar da triste sentença dada pela medicina, ela enxuga suas lágrimas para tentar dormir, o dia próximo lhe reservava emoções muito fortes e ela precisava estar bem para suportar tudo.

Às três da manhã, hora em que devotos e rezadeiras despertam para a primeira oração do dia, o menino em sonho teofânico abre os olhos e vê adentrar o quarto um ser estranho, alto e de beleza encantadora, podia se ver que sorria e em sua volta uma luz ofuscante sem ser agressiva. Minha mãe devia estar aprontando de novo, ela trouxe o tal homem aqui para eu poder conhecê-lo e não me avisou.

Ele vislumbrava com aquela visita, olhava para os lados e percebia que a mãe já acordada chorava, não conseguia entender o porquê das lagrimas maternas, mas o sorriso daquele que o olhava o cativava a se sentir perenemente feliz. Que mistério envolvia o olhar daquele homem, que atração magnética os tomava tanto um quanto a outro. O mais incrível é que Pedrinho, apesar da tenra idade não se assustava e nem se intimidava com a visão, e ver a mãe chorando, misteriosamente não o incomodava. Ele parecia tomado de uma plenitude de contentamento.

- Então você é o homem zarrão que minha mãe falou.

- Sim filho Eu Sou...

De repente a voz do conto se calou em minha mente e as palavras foram desaparecendo de minha caneta esferográfica, quando Yeshuah fez calmamente ressoar sua voz.

- Venha filho, já é hora, voltemos para o outro lado.

Em homenagem a Pedro Lucas ( In memorian ). Tempo Quaresmal. Março de 2010.

Caminhos


Por Rodrigo Adamczwski Ott


Viajei muito tempo
Para encontrar o significado.
Ainda caminho
Por não ter encontrado.


As portas abrem
Sem eu saber o porquê.
Estou indeciso
Se ando com você.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

O Viajante


Por João Paulo Leal Meireles

José Eurico, ou Zé Eurico como era mais conhecido, caminhava por uma estrada. Estrada esta diferente das outras, porque não havia possibilidade de voltar pelo caminho já percorrido. Era como se a estrada se desfizesse atrás de seus pés a cada passo dado pelo nosso viajante.

Durante o caminho, Zé Eurico conhecia pessoas, umas interessantes e outras nem tanto. Algumas chegavam até a acompanhá-lo por um trecho ou outro do caminho, mas, por mais que quisessem, nenhuma delas podia caminhar por José Eurico. Talvez elas pudessem ajudá-lo retirando algumas pedras do caminho, mas era o nosso viajante quem tinha de traçar e dar cada passo.

Caminhando, ora sozinho, ora acompanhado, Zé percebia que não estava simplesmente caminhando. Aqueles passos eram muito mais do que simplesmente colocar um pé na frente do outro. Ao caminhar, Zé escrevia sua história.

E assim, Zé Eurico prosseguiu sua trajetória até que se viu, não mais diante de um caminho, mas de uma bifurcação em “Y”. “?” Pensou Zé por uns instantes. Ele sabia que uma vez escolhido um dos caminhos, não haveria mais volta.

“Como escolher?” Pensou José Eurico. Nada sabia sobre os caminhos, nem ao menos onde eles iriam terminar. Antes era fácil, só havia um caminho e a única coisa que Zé precisava fazer era colocar um pé na frente do outro e aproveitar o caminho. Mas e agora? Pra que lado deveria o nosso viajante caminhar?

E Zé sentou-se no exato ponto onde a bifurcação se fazia e ficou olhando para os caminhos propostos...

E depois de muito pensar e pensar, eis que surge um outro viajante. Ao passar por Zé, o outro viajante apenas acenou com o chapéu, escolheu rapidamente um dos lados e partiu. Ao ver a determinação e a maneira como aquele homem tinha decidido por um dos caminhos, Zé levantou-se e gritou:

_ Ei. Quem é você?

_ Eu sou um viajante. E você? – disse o homem que diminuía seus passos, mas nunca parava.

_ Eu também sou um viajante.

_ Viajante? Parado aí olhando para o caminho você só pode ser um observante, mas jamais um viajante.

E seguiu o homem a caminhar...

Depois de muito pensar, Zé percebeu que de nada adiantaria ficar ali parado. Enquanto o viajante estava ali sentado apenas admirando os caminhos ele não podia nem ao menos dizer que era um viajante.

Percebeu também que não havia diante dele dois caminhos, mas apenas um, pois no momento em que fizesse a sua escolha e voltasse a caminhar, o outro caminho não mais existiria para ele.

Levantou, respirou fundo e optou pelo caminho oposto àquele escolhido pelo outro viajante. Pensou Zé “quero eu mesmo fazer o meu caminho e não trilhar o caminho por outros já percorrido”.

E logo nos primeiros passos viu uma trouxa pesada na beira da estrada, mas Zé nem chegou perto dela. Era a dúvida. Zé sabia que a dúvida não era boa companhia. Ela tentaria prender o viajante no caminho que não fora escolhido e mais tarde iria convidar a angústia para caminhar junto a eles.

Seguiu então Zé Eurico de cabeça erguida e sem olhar para trás.

domingo, 20 de junho de 2010

Antagonismo em Caim e Abel

Por Joice Giachini

Céu e inferno, Ying Yang, tradicionalismo e arbitrariedade, Caim e Abel,... São inúmeros os antagonismos presentes nas diferentes tradições religiosas. Forçoso é dizer que, a despeito dos melhores esforços de todas elas, o ceticismo, a dúvida, a indiferença ganham terreno dia a dia. Mas deixo esse ponto que deve ser amplamente discutido e examinado para outro momento, onde poderá receber toda a atenção que merece. Gostaria mesmo é de considerar atentamente alguns pormenores do relato bíblico, referente a Caim e Abel, o qual bem representa essa tendência religiosa. O texto possui um grande apelativo moral e denota fortes traços do antagonismo presente nas três grandes religiões monoteístas.
Desde o início da narrativa é apresentada uma diferença significativa entre Caim e Abel, respectivamente um pertence à classe agrícola (sedentarismo) e o outro a pastoril (seminomadismo). São economias paralelas para Israel, mas que se encontram sujeitas ao conflito, devido à questão da posse da terra, especialmente em períodos de seca, quando os pastores precisam se achegar ao território dos agricultores. Portanto, é a ótica do seminomadismo que prevalece no texto, desvinculado e distante das cidades. No restante do Gênesis será Abraão que melhor irá expressar o nomadismo independente. A visão, de que no agreste o indivíduo se encontra livre da violência e da opressão, é reforçada quando Caim parte para Nod, que em hebraico seria o particípio do verbo perambular.
O seminômade tem pouco a oferecer, a não ser sua resistência contra o sistema de opressão. Abel é assim, o seu próprio nome nada significa, nem ao menos é o primogênito. Contudo esse dado também possui grande relevância, existem outros casos na Bíblia onde exatamente o filho mais novo é o preferido, é o caso de Isaac, Jacó, José do Egito, Davi,... Abel ganha preferência por que oferta a Iahweh as primícias de seu trabalho, já Caim apresenta o corriqueiro. A oferta de cada um demonstra a realidade de suas vidas.
Abel é assassinado! Antes disso Iahweh adverte Caim quanto ao rancor que cultiva no coração, Deus oferece sua palavra a ele porque não o rejeita, deseja conservar a fraternidade. Nada irrita mais um homem do que ser repreendido pela sua atitude orgulhosa, Caim não O ouve e a morte entra na humanidade através do ódio que ele gestou. O convite que ele faz ao seu irmão Abel, para irem até o campo, local não muito frequentado, denota que o crime fora premeditado. Depois do delito, Caim ostenta indiferença e arrogância diante dos questionamentos de Iahweh, mas este lhe provoca o despertar da consciência. Na falta de um defensor humano, o sangue derramado por terra clama pela justiça divina. A terra que foi embebida com o sangue de Abel torna-se depois instrumento de castigo para Caim, não lhe fornecerá mais o alimento e sobre ela deverá peregrinar.
Caim apela a Iahweh, pede-lhe proteção, pois sente que os efeitos de seu pecado são insuportáveis, deseja a proteção divina. Deus marca Caim para que não seja cometido contra ele o mesmo crime, gesto que denota que Iahweh refuta o desejo de vingança, mas não retira o castigo por completo.
Com isso Caim passa para a mesma categoria de Abel, torna-se migrante seminômade, torna-se um protegido especial de Iahweh. A estrutura: culpa, castigo e promessa, presente também em outras narrativas, é conservada, dando ao indivíduo a formulação da lei. Todavia, a conduta humana não deve brotar do legalismo, o amor precisa vencer o condicionamento. A alteridade deve brotar da consciência de forma tal, que se constitua um imperativo categórico.

sábado, 19 de junho de 2010

Sexualidade, não genitalidade!


Por Tiago Eurico de Lacerda


A sexualidade deve ser vista de uma forma integral, o ser humano é todo sexual, vive sua vida em funções sexuais, seja de relacionamentos familiares, afetivos, eróticos, enfim, a sexualidade permeia a nossa vida. Ao mencionar tal palavra, o que primeiro vem à nossa mente é um reducionismo ao genitalismo. É um erro reduzir a tão pouco um conceito tão amplo. As pessoas tendem a recordar e associar a sexualidade com os órgãos reprodutores, com o coito ou relações sexuais, mas a sexualidade não se resume nisso.
Mas então o que é a sexualidade? Essa pergunta grita dentro de nós em busca de um conhecimento mais profundo do nosso próprio ser. Inúmeras pessoas buscam ser felizes no amor, buscam gurus, cartomantes e inúmeros livros de autoajuda para satisfazerem seus desejos e angústias que na sua maioria estão relacionadas com a sexualidade, ou a má vivência da mesma. Antes de tudo gostaria de dizer que sexualidade não se reduz a uma única definição, mas poderemos encontrar várias, como na medicina, psicologia, sociologia e etc., conotações diferentes do mesmo termo. Segundo CASTELLANOS, "Sexualidade é uma energia, uma força positiva capaz de gerar vida, plenitude e realização. A sexualidade auxilia o desenvolvimento da pessoa, uma vez que possui uma grande variedade de elementos. Tem um dinamismo direcionado para uma conduta positiva que dá vida, embora passe, como todo processo, por diferentes etapas, nas quais há clareza e obscuridade, avanços e retrocessos" [1].
Por isso a sexualidade não pode ser vista isoladamente, mas na pessoa em seu todo, uma vez que tem a ver com o sexo, a procriação, a afetividade, o amor a espiritualidade, o prazer e outras dimensões importantes da vida. Ela tem a ver com a maneira de falar, de pensar, de expressar-se, de caminhar, de sentir, está presente o tempo todo na vida das pessoas, especialmente na alteridade. Nesta, percebemos rótulos; uma impressão de que existe um mundo dualista que divide os seres em machos e fêmeas, em papeis bem definidos que devem ser cumpridos. Mas devemos olhar o outro como um ser integral, um ser humano, que tem sua dignidade e peculiaridades. No Catecismo da Igreja Católica encontramos que “a sexualidade afeta todos os aspectos da pessoa humana, em sua unidade de corpo e alma. Diz respeito particularmente à afetividade, à capacidade de amar e de procriar e, de uma maneira mais geral, à aptidão a criar vínculos de comunhão com os outros”[2]. Não criamos vínculos com preconceitos e uma visão utilitarista, no sentido de aproveitar do outro, este não é um objeto que podemos lançar mão para os nossos deleites. Somos convidados a ver o outro como um ser integral, não somente genital.

Referências:
[1] CASTELLANOS, Luis Valdez. O dom da sexualidade, p.12.
[2] Catecismo da Igreja Católica, 2332, p.605.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Lembranças


Por Rodrigo Adamczwski Ott

Quando eu cantar
As flores vão chorar
E o verde, verdejante
Pela floresta continuará.

E juntos veremos o arrebol,
O sol está só,
Sem nuvens em nenhum lugar
Vejo só o que é.

Se não sinto como estou,
Nada sou.
Quando estou longe,
Algo me faz falta.

E você,
Mais nada,
Em casa cansada,
Não se lembra como estou.

O arrebol, o sol está só
Sem nuvem em nenhum lugar.

Assim estou,
Quando haverá mudança?
Viver sem você,
É viver somente com lembrança.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Espiritualidade do Seguimento


Por Joice Giachini

Dentro da perspectiva atual, o que significa o seguimento à pessoa de Jesus Cristo? Iniciar este artigo logo de início com tal questionamento denota um posicionamento pessoal de não querer ceder a um certo silogismo, que muitas pessoas caem ao tentar tratar de tal assunto. O desejo de encaminhar-se diretamente ao assunto notifica também, o anseio de que não mais se dê rodeios no protagonismo que o cristão, por vocação, deve assumir na sociedade.
O homem moderno vive uma autêntica fome de espiritualidade que pode ser interpretada como verdadeiro sinal dos tempos. É por isso que o tema já não pode mais ser tratado de forma evasiva. O pluralismo, a secularização e a fragmentação de valores que caracterizam a cultura contemporânea confrontam a espiritualidade cristã com novos desafios e perspectivas. E nesse sentido, se verifica que expressões da espiritualidade cristã, que foram significativas em tempos anteriores, hoje perderam sua relevância e necessitam de uma nova significação se quiserem novamente ser eloquentes.
Contudo, não se deve tencionar que a espiritualidade cristã seja o único antídoto para estas “enfermidades sociais”. Isso poderia ferir abertamente outras propostas sérias, de outras confissões religiosas, que se prestam ao resgate da dignidade da pessoa humana, podendo também fazer referência, no momento em que estamos aos problemas ecológicos.
Porém, ao ser dado relevo na pessoa de Jesus Cristo e na espiritualidade do seguimento, se quer apresentar lições que poderão promover uma maior comunhão com Deus e com toda a sua criação.
Cristo foi verdadeiramente o iniciador de um movimento que contrastou totalmente com a realidade de sua época, dando origem a uma espiritualidade não mais legalista e apegada a práticas externas, propôs uma espiritualidade comprometida com o todo do ser humano: tanto no nível afetivo, psíquico, relacional, fisiológico, sócio-político,... Com a sua pregação, seu jeito de ser e de se portar diante da realidade, redirecionou o ser humano para um outro nível de consciência de sua existência, abrangendo toda a vida, desde a cura até a plena realização do ser humano, na promoção de um mundo de justiça e de paz.
A radicalidade de Jesus e de sua proposta de vida mostra-se simples, direta, frontal, decisiva na exigência de que o ser humano elenque prioridades para si, deixando de lado valores ou hábitos ditos como provindos de sociedades mais evoluídas, concebidas por um capitalismo amiúde, pouco solidário e que deixam no coração humano resquícios de estranheza e frustração.
Em um mundo que se mostra sedento de espiritualidade, a proposta cristã mostra-se cativante e provocadora, ao buscar conduzir o indivíduo à unidade com Deus, consigo próprio, com os outros e com o universo. Tal proposta pode ser refletida com a mente, mas somente será assumida com o coração.

Referência:
NOLAN, Albert. Jesus hoje: Uma espiritualidade de liberdade radical. São Paulo: Paulinas, 2007.

Obtenha este texto em PDF Espiritualidade do Seguimento

sábado, 12 de junho de 2010

O Botão


Por João Paulo Meireles

Cadê? Onde “tá”? Onde foi que o colocaram? Não é possível, eu não estou encontrando. Deve ter algo de errado. Eu vou reclamar! Não é possível que eles não tenham colocado ele em algum lugar. Deve estar em algum lugar por aqui. Eu sei que ele tem que estar.
Não, eu não sou maluco. Eu estou procurando um botão. É um botão. Onde? Em mim ora bolas. RS, não, não precisa ficar preocupado.
Não é o botão de auto-destruição, não. É o botão do esquecimento. Eu sei que ele tem que estar em algum lugar por aqui. Não é possível que tenham me feito sem um desses!
Talvez você esteja se perguntando o que eu quero esquecer. Bom, mas isso eu não vou contar. Não, eu não vou te contar. Ora, se eu estou tentando esquecer algo eu vou sair por aí contando pra ter que me lembrar cada vez que eu contar? Aí não tem botão que agüente. Por falar nisso cadê ele?
Me ajuda a procurá-lo? Umm, só ajuda se eu contar o que vou esquecer? Chato! Nem precisa, eu acho sozinho.
...
Ah, desisto. Acho mesmo que esqueceram de colocá-lo em mim. Bom, já que eu não posso esquecer, vou te dizer o que é: quero esquecer o amor. Por quê? Ora, não me interrompa! Agora que decidi contar, deixa-me contar de uma vez.
Quero esquecê-lo porque ele me faz sofrer. É claro que amor faz sofrer. Amor que vai embora deixa um vaziiiiio; quase que insuportável. Verdade. Você nunca amou, não?
Oh, que triste! A vida sem amor não é vida. Pior ainda é experimentar o amor um tiquinho só e depois você olha pro lado e ele não está onde deveria estar. Pra quem nunca viveu o amor isso é impossível de entender. Pra quem nunca o perdeu, menos ainda.
Amor é droga depreciativa do sistema “inteligencial”. É, a gente fica burro, sonso, não vê as coisas como elas realmente são. Mas é isso é que faz do amor a melhor coisa que existe. Ele cria um mundo próprio que só os que amam são capazes de ver, ouvir, tocar ou sentir.
...
Eu nem sei por que estou dizendo essas coisas. Era pra eu estar esquecendo o amor a uma hora dessas. Onde será que puseram aquele maldito botão?
O quê? Ah, você deve estar brincando. Como assim eu não tenho um botão do esquecimento? Eu sou o quê? Ser humano? E você vem me dizer que seres humanos não têm botão do esquecimento.
Então o que eu faço com isso? Essa dor, essa angústia, esses pensamentos que vão e vêm toda hora... Esquecer? Mas você mesmo não acaba de me dizer que eu não tenho um botão do esquecimento?
Por quê? Você quer saber por que ele foi embora? Ah, talvez por que não era amor. Ou talvez por que tinha de ir. Sei lá, mas isso não vem ao caso.
Ah, quer saber? Já que não tenho um botão do esquecimento, eu vou é lembrar! Vou lembrar de tudo o que vivi, de como me senti, de tudo que fizemos de bom, de todos os momentos felizes ao lado dele.
Me pergunta se ele ainda vive? Mas é claro que vive! Vive em mim. Vive nas lembranças. O amor ainda vive no amor que existe em mim.

Obtenha este texto em PDF: O Botão
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