terça-feira, 10 de maio de 2011

Amizade, virtude que se faz


por Joyce Giachini

No sentido ideal daquilo que se diz a respeito da amizade, o amigo é aquele que ama incondicionalmente, que se relaciona com o outro longe de ter qualquer espécie de interesse utilitarista, que se oferece como dom. O amigo sente que o outro lhe corresponde com amor de benevolência, compartilha com ele idêntica relação de afeto. Por assim construirem suas vidas, os amigos não conhecem o amor solitário, nem o narcisista, condividem o viver, são acolhidos em sua intimidade pela sintonia de pensar e sentir que fora construida “uma só alma em dois corpos[1]”.

O enriquecimento que uma verdadeira amizade favorece não se detêm a uma forma institucionalizada de condividir, que se assim não o fosse, poderia reprimir a espontaneidade de se demonstrar aquilo que verdadeiramente se é. Até mesmo as asperezas do indivíduo encontram espaço de acolhida numa amizade assim vivenciada. Não como acomodação, mas como sentelha de amor que acolhe, dignifica e transforma. Feliz de quem se descobre assim amado!

Os amigos extrapolam a barreira de tudo aquilo que é burocrático, reinventam o tempo e o espaço, porque com a certeza da existência do outro tudo alcança patamar de belo. Contudo, mais uma vez é preciso salientar que esta felicidade de amar e sentir-se plenamente amado não trás o estado de alienação. Muito pelo contrário, há uma criatividade gozosa, que tudo operacionaliza para que o mundo seja melhor e a alegria vivenciada seja constante e circunvizinhe todos os passos do amigo.

A vida dos amigos é estruturada através de gestos e palavras que também se fazem silêncio e quietude. Com as palavras e gestos se consolida a troca e a construção de convicções e ideais, com o silêncio e a presença se manifesta a mais perfeita sintonia que pode existir entre dois mortais.

Que não se confunda o silêncio referido como ausência de diálogo, mas se entenda que a partir daquele instante, a harmonia reina nos afetos, as palavras tornaram-se trôpegas. Essa comunhão de vida gera uma nova linguagem que vence o imperativo de constantemente manifestar apreço pelo outro. Todos os recônditos do ser do amigo conhecem esse amor e livremente tornam-se expressão do mais profundo e sincero afeto.

Não se consegue chegar a essa experiência como e quando se queira, não se programa. Aprende-se a viver assim através de diversas experiências, por vezes imperfeitas, sem que ao menos se consiga manifestá-la algum dia de maneira perfeita e definitiva. O coração humano anseia sempre pela experiência do mais perfeito dos amores. Como descobrir que ele já chegou sem experimentar a sensação da perda e da limitação?

A amizade é momento de crescimento do eu, da afetividade, das relações interpessoais e comunitárias. Não há como negar aquilo que se é perante aquele que faz parte do ser.

[1] AGOSTINHO, Santo. Confissões. 2ªed. Trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (pg. 146)
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