domingo, 20 de junho de 2010

Antagonismo em Caim e Abel

Por Joice Giachini

Céu e inferno, Ying Yang, tradicionalismo e arbitrariedade, Caim e Abel,... São inúmeros os antagonismos presentes nas diferentes tradições religiosas. Forçoso é dizer que, a despeito dos melhores esforços de todas elas, o ceticismo, a dúvida, a indiferença ganham terreno dia a dia. Mas deixo esse ponto que deve ser amplamente discutido e examinado para outro momento, onde poderá receber toda a atenção que merece. Gostaria mesmo é de considerar atentamente alguns pormenores do relato bíblico, referente a Caim e Abel, o qual bem representa essa tendência religiosa. O texto possui um grande apelativo moral e denota fortes traços do antagonismo presente nas três grandes religiões monoteístas.
Desde o início da narrativa é apresentada uma diferença significativa entre Caim e Abel, respectivamente um pertence à classe agrícola (sedentarismo) e o outro a pastoril (seminomadismo). São economias paralelas para Israel, mas que se encontram sujeitas ao conflito, devido à questão da posse da terra, especialmente em períodos de seca, quando os pastores precisam se achegar ao território dos agricultores. Portanto, é a ótica do seminomadismo que prevalece no texto, desvinculado e distante das cidades. No restante do Gênesis será Abraão que melhor irá expressar o nomadismo independente. A visão, de que no agreste o indivíduo se encontra livre da violência e da opressão, é reforçada quando Caim parte para Nod, que em hebraico seria o particípio do verbo perambular.
O seminômade tem pouco a oferecer, a não ser sua resistência contra o sistema de opressão. Abel é assim, o seu próprio nome nada significa, nem ao menos é o primogênito. Contudo esse dado também possui grande relevância, existem outros casos na Bíblia onde exatamente o filho mais novo é o preferido, é o caso de Isaac, Jacó, José do Egito, Davi,... Abel ganha preferência por que oferta a Iahweh as primícias de seu trabalho, já Caim apresenta o corriqueiro. A oferta de cada um demonstra a realidade de suas vidas.
Abel é assassinado! Antes disso Iahweh adverte Caim quanto ao rancor que cultiva no coração, Deus oferece sua palavra a ele porque não o rejeita, deseja conservar a fraternidade. Nada irrita mais um homem do que ser repreendido pela sua atitude orgulhosa, Caim não O ouve e a morte entra na humanidade através do ódio que ele gestou. O convite que ele faz ao seu irmão Abel, para irem até o campo, local não muito frequentado, denota que o crime fora premeditado. Depois do delito, Caim ostenta indiferença e arrogância diante dos questionamentos de Iahweh, mas este lhe provoca o despertar da consciência. Na falta de um defensor humano, o sangue derramado por terra clama pela justiça divina. A terra que foi embebida com o sangue de Abel torna-se depois instrumento de castigo para Caim, não lhe fornecerá mais o alimento e sobre ela deverá peregrinar.
Caim apela a Iahweh, pede-lhe proteção, pois sente que os efeitos de seu pecado são insuportáveis, deseja a proteção divina. Deus marca Caim para que não seja cometido contra ele o mesmo crime, gesto que denota que Iahweh refuta o desejo de vingança, mas não retira o castigo por completo.
Com isso Caim passa para a mesma categoria de Abel, torna-se migrante seminômade, torna-se um protegido especial de Iahweh. A estrutura: culpa, castigo e promessa, presente também em outras narrativas, é conservada, dando ao indivíduo a formulação da lei. Todavia, a conduta humana não deve brotar do legalismo, o amor precisa vencer o condicionamento. A alteridade deve brotar da consciência de forma tal, que se constitua um imperativo categórico.

Um comentário:

Tiago Lacerda disse...

"Todavia, a conduta humana não deve brotar do legalismo, o amor precisa vencer o condicionamente. A alteridade deve brotar da consciência de forma tal, que se constituía um imperativo categórico".
Cara Irmã Joice, concordo plenamente. Não devemos realizar o dever pelo dever, mas deveria brotar naturalmente em nós, deveria ser convicção que de máxima passasse a imperativo. Se todos agissem pelo amor, seria outro mundo que conheceriamos, mas talvez pensado nisso que Kant elaborou o imperativo para que houvesse harmonia, penso. MAs os antagonismos do mundo estão aí. Parabéns pelo texto!

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